Rocambolesca
era a sua Própria Figura
Rocambolesca
era a sua própria figura.
Viera trotando pela noite,
embrenhando-se cada vez mais
na escuridão. Agora,
via pela porta de vidro da
sua morada um monstro, difícil
de descrever, oculto por uma
capa escura. Subira numa árvore.
Ele tinha medo, mas, para
disfarçar, começou
a rir do monstro, apontando-o.
Ao seu lado, um anão
ria com ele. O monstro, surpreso
com a reação,
transformou-se em um homem
comum, desceu da árvore
e veio caminhando. Ele ainda
estava com medo, mas o homem,
de terno, bigode, continuou
caminhando, passou próximo
a ele, do lado de fora, na
calçada, junto à
grama e à algumas árvores
e nada fez contra ele.
Fora
uma noite difícil.
Lembrava-se de ter visto diversos
corpos boiando dentro d’água,
quando ele abriu a tampa de
um bueiro, numa rua central
da cidade. Ficou apavorado,
sem ação. O
que fazer num momento deste?
Comunicar à polícia,
em plena madrugada? Impossível.
Fechou a tampa do bueiro,
levantou-se e continuou a
sua caminhada tresloucada
pela noite.
Topou
com um grupo de palhaços,
vindos ninguém sabe
de onde, que se divertiam
às suas custas. Aproximaram-se
dele, gargalhavam, um deles
rolou pelo chão, com
a mão na barriga, tanto
que ria. Conseguiu se esquivar
deles.
Caminhava
pelo gramado, por trás
das lojas de uma quadra comercial
da Asa Norte, em Brasília.
Nisto, aproximou-se dele um
homem, barbudo, vestido de
preto, com o cabelo trançado
atrás, e com um chapéu
negro, em formato redondo,
na sua cabeça. Usava
óculos de aros grossos
e olhou-o fixamente. Fez sinal
para que o acompanhasse. Contornaram
a quadra, caminharam até
uma porta: leu “Sinagoga”,
acima do pórtico e
abaixo uns dizeres em hebraico,
que ele não entendeu.
O homem abriu a porta de madeira,
de cor marrom e subiu uma
escadaria, acompanhado por
ele. Ao fim dos degraus, abriu
outra porta de madeira e entraram
em uma sala. Para sua surpresa,
era bem maior do que imaginara.
O homem fez sinal para que
sentasse em uma cadeira. Na
sala, havia um tapete, e sobre
um móvel escuro, um
candelabro com sete velas
acesas, indicando claramente
o local de culto. Percebeu
que, ao seu lado, estavam
sentados outros três
homens, que aparentavam ter
a sua idade. Ficaram esperando.
Os minutos se passaram e nada
acontecia. Teve vontade de
sair dali, mas a curiosidade
e o escrúpulo impediram-no.
Finalmente,
o homem apareceu, abriu uma
porta e convidou ele e os
outros a entrarem. Ao entrar,
percebeu que se tratava de
um templo. Deduziu que seria
introduzido ao culto através
de uma iniciação
judaica. Mas porque? Ao que
sabia, não era judeu;
mas já ouvira falar
de outras pessoas que haviam
sido iniciadas ao judaísmo,
sem serem de origem judaica.
Ele e os outros tiraram seus
sapatos e foram encaminhados
a um corredor escuro, ladeado
por diversas portas. Adentraram
um recinto em que, à
uma ordem do homem, se ajoelharam.
Ouviram uma cantilena hebraica
e se foram entregando, psiquicamente.
Ele, pelo menos, o foi. Supunha
que o mesmo ocorrera com os
outros. Por fim, à
outra ordem, levantaram-se
e, enfileirados, atravessaram
outro pórtico, caminharam
por outro corredor escuro,
penetraram em outro recinto,
onde três rabinos lhes
colocaram sobre suas roupas
trajes ornamentados com dizeres
e símbolos hebraicos.
Atravessaram outro pórtico,
estavam agora no templo. Poucas
pessoas sentadas nos bancos.
Foram conduzidos, ainda em
fila, até o rabino
principal. Este lhes falou
dos seus novos deveres e conduta,
escritos no Torá; lia
em hebraico e, em seguida,
traduzia para o português.
A cerimônia tocou a
sua alma.
Foi
quando acordou. Fora tudo
um sonho. Mas, com tantos
pormenores!? Como era possível?
Abilio
Terra Junior
05/07/2012