Exorcizando
Demônios
Sonho com D., meu primo e
padrinho. Ele está
conversando com o meu pai,
talvez, e eu sou um jovem.
Ele me pergunta algo, e me
explica que nesse citado ritual,
as mulheres denunciavam os
homens que as perseguiam.
Eu lhe respondo que seria,
então, um meio de se
manter o equilíbrio
na sociedade. Ele elogia a
minha resposta. Eu saio dali
e penso que à noite
procurarei por uma mulher
que não vejo há
tempos.
Fico acordado e começo
a pensar: meu pai me levava,
quando jovem, até a
minha avó F., que morava
com a minha tia V. Na verdade,
ela morara antes conosco,
mas por haver se desentendido
com a minha mãe, meu
pai a levara para a casa da
minha tia, segundo fiquei
sabendo passados muitos anos.
Nós, eu e meu pai,
subíamos uma escada,
passávamos pela porta
do quarto do meu primo D.,
seguíamos à
direita, e chegávamos
ao quarto da minha avó
F. O meu pai me deixava ali,
a conversar com ela, e descia
para conversar com a minha
tia V., o meu tio A. e a minha
prima M.
Penso, então: porque
ele nunca me levou até
ao meu primo D.? Eu sabia
que o meu primo D. era muito
ligado ao meu tio J., que
era um autêntico filósofo,
um homem que viveu a filosofia
em todos os momentos da sua
vida, com uma coerência
notável. Ora, se ele,
meu pai, permitisse que eu
me aproximasse do meu primo
D., e, conseqüentemente,
do meu tio J., isto teria
enriquecido por demais a minha
vida. Teria, provavelmente,
me dado um embasamento filosófico
que me teria sido muito útil.
Mas, talvez, o meu pai temesse
me perder, caso isso viesse
a ocorrer.
O fato é que eu tive
poucos contatos com ambos:
visitei o meu primo D. e a
sua esposa algumas vezes,
depois que me casei. Quanto
ao meu tio J., ele visitava
os meus pais, e eu me limitava
a colocar na radiola alguns
discos de música clássica,
que ele muito apreciava, ainda
na época dos discos
de 78 rpm. Ele morou, ano
antes, em nossa casa, no andar
de cima, por não me
lembro quanto tempo. Mais
tarde, morou na casa da minha
prima M., no Barreiro, uma
cidade próxima a Belo
Horizonte. Lembro-me que ocorreu
uma praga de formigas, que
atacavam as plantas, mas ele
não as matava. Usava
sempre as mesmas roupas, que
ele mesmo remendava, e fazia
as suas próprias refeições.
Recusava aumentos de salário
do seu patrão, e ajudou,
sem segundas intenções,
a diversas moças carentes,
que chegavam do interior de
Minas Gerais para Belo Horizonte,
em busca de trabalho. Foi
homenageado por uma delas,
que deu o seu nome à
escola que ela dirigia. Era
magro, com um nariz proeminente,
e, certa vez, se submeteu
à uma cirurgia delicada,
que lhe subtraiu 2/3 do seu
intestino. Mas, ainda assim,
sobreviveu.
Ontem, assisti, pela segunda
vez, ao filme ‘Arquivo X –
Eu Quero Acreditar’, que destaca,
em síntese, a importância
de se acreditar, de se crer,
em um contexto mais amplo.
Suponho que o meu tio J. e
o meu primo D. acreditavam,
talvez, em um sistema filosófico
ou algo semelhante. Eu não
sou muito chegado à
filosofia, mas acredito na
poesia, principalmente, e,
em algumas outras coisas.
Em Deus, por exemplo, mas
não no sentido religioso
do termo, mas sim num aspecto
mais amplo, no Deus que existe
em meu interior e no que existe
na natureza, na Terra, nas
estrelas, no invisível.
E a poesia não me dá
respostas exatas, objetivas,
mas ela me conduz por um caminho
abstrato, em que luz e trevas
coabitam, como no sonho, como
noinconsciente.
Este é o meu mundo,
esta é a minha crença,
se é que se pode chamar
assim.
Abilio
Terra Junior
12/07/2009
Negro
o Grito
nada
se inocenta
in vero desejo cansado
estava
para crer que me iniciei
na gratidão de uma
vigiada ternura
na ardósia transpirada
onde se faz do negro o grito
e da pena um breve reparo
geográfico.
António
Teixeira e Castro, in ‘Texturas
e Constelações’,
Editora Escrituras, página
93.