O Poder Criador
da Poesia
Fui
ao Bradesco da 511 Sul, e,
de lá, desci pela quadra
comercial, e dobrando à
direita, segui, ao lado do
gramado e das árvores,ao
som da 'sinfonia compassada'
das cigarras, observando os
enormes blocos residenciais,
cada um com seu estilo próprio.
Meus pensamentos também
passeavam e me lembrava da
época em que morava
no Plano Piloto, na 315 Sul,
com a minha família,
e quantas lembranças
me vieram à mente,
desde a época em que
o meu filho e a minha filha
estudavam no Colégio
Arnaldinum (BH), no Jardim
de Infância Pernalonga
(BH), Colégio Santa
Maria, nas Escolas-Classes
das 315, 316, 114 Sul, no
Colégio Notre Dame,
no Colégio Objetivo,
no Brasas, no Elefante Branco,
no Colégio JK, e, depois,
meu filho, na AEUDF e, minha
filha, na Escola Guignard,
já em Belo Horizonte.
E os passeios, os restaurantes,
como o Espanhol, de saudosa
memória, os clubes,
os amigos, uma longa história,
que daria um livro. Os fatos
marcantes, como a morte de
Tancredo Neves, o impeachment
de Collor, com os 'caras pintadas'.
Meu filho, outro dia, se lembrava
de que permaneceu no Congresso,
com seus colegas de colégio,
acompanhando a votação,
até que ocorreu a cassação
definitiva de Collor. E as
suas vitórias na natação,
quando ganhou diversas medalhas.
E a minha filha, dançando
balé, durante anos,
com suas colegas, e, depois,
jazz.
Mergulhado nesses pensamentos,
dei-me conta de que passava
em frente à uma igreja
que não era do meu
tempo, a de Nossa Senhora
de Guadalupe, Padroeira da
América. Entrei na
igreja, sentei-me em um banco.
Linhas sóbrias e funcionais,
bem ao estilo de Brasília.
Poucas imagens, e, no altar,
a pintura de Nossa Senhora
de Guadalupe, com seus traços
tipicamente mexicanos. Fechei
os olhos, meditei, orei. Lembrei-me,
então, da magnífica
Catedral de Nossa Senhora
de Guadalupe, que eu visitei,
com a minha esposa, na Cidade
do México. A nova catedral,
ao lado da antiga. Muitos
fiéis em seus recintos.
E Luiza, junto com uma turista
chilena, orando, em cima de
um tapete rolante, em frente
à pintura da santa.
Um dos presentes, para benefício
das abnegadas fiéis,
tomou a iniciativa de desligar
o tapete rolante, enquanto
elas rezavam.
Volta e meia, entro em uma
igreja, para meditar e orar,
mas não me considero
católico. Fui criado
nessa religião pelo
meu pai, fiél devoto
de Santo Antônio de
Pádua, de quem possuía
uma imagem no seu quarto,
ao lado de outra da Sagrada
Família. Todas as noites,
ao se deitar, rezava o seu
terço e as suas orações,
com uma Bíblia e um
Missal. Aos domingos, eu sofria,
ao assistir, com ele, à
Missa das 10 h, na Igreja
São José, no
centro de Belo Horizonte.
Assistíamos às
Missas em pé, eu suando
frio, ouvindo intermináveis
sermões de corpulentos
e avermelhados padres italianos,
pelo que me parece. Eu não
entendia nada do que eles
diziam, e a Missa parecia
não ter fim. Ao sairmos,
respirava aliviado. Ele comprava
um jornal em quadrinhos para
mim e nos dirigíamos
à uma padaria em frente,
que vendia um delicioso capelletti,
semi-cozido, que a minha mãe
preparava, ao chegarmos em
casa. Era uma delícia,
e eu lambuzava os lábios,
satisfeito!
Mais tarde, aos 21 anos de
idade, ingressei em uma ordem
esotérica, e, nela
permaneci por décadas.
E, assim, iniciei os meus
caminhos iniciáticos,
o que marcou a minha vida,
em definitivo. Ingressei em
outras organizações
espiritualistas, depois dessa,
e aprendi muito. Aprendi a
não me prender tanto
às aparências
fenomenais, mas a observar
com outros olhos, mais acurados,
mais desvelados, olhos da
alma, e não apenas
olhos físicos. Uma
arte, sem dúvida. Pouco
compreendida nos dias de hoje,
em que domina a mente concreta.
Uma arte que me levou à
poesia. Pois a poesia, antes
de tudo, é a arte de
ver, olhar, observar, analisar,
sentir, pressentir, com todos
esses olhos que a natureza
e o universo nos dão,
que Deus, em última
instância, nos dá,
nos privilegia. Olhos que
são também privilégio
dos animais, que não
nos são inferiores,
pelo contrário. E até
das plantas. E de tantos outros
seres intangíveis,
que nos escapam ao olhar,
mas que convivem conosco,
nas mais diversas dimensões.
E na poesia, no poetar, ombreamos
com todos, convivemos com
todos, sentimos todos. Quando
abrimos nossos coracões
e nossas mentes podemos alcançar
os confins do Universo, em
sua imensa mescla da alegria
e da tristeza, do prazer e
da dor.
O poder criador do erotismo,
como bem diz Maria Estela
Guedes. O ritmo das entranhas
da terra, que nos toca, e
seus mistérios indondáveis.
A volúpia avassaladora
do mar, que nos domina. A
circunavegação
do céu, que nos observa
a cada passo, como um deus
grego, ou africano, ou nórdico.
O grande mistério da
poesia, tão pouco compreendido,
e tão vilipendiado.
Até já disseram
que a poesia morreu! Como?
Se a poesia está intimamente
ligada ao próprio poder
criador universal. Se pensam
que estou exagerando, leiam
Maria Estela Guedes, no seu
livro ' Herberto
Helder Poeta Obscuro',
no Triplov.
Abilio Terra Junior
18/10/2008