O
Fim do Peiote
Os índios Huichol iniciavam
sua longa peregrinação.
Apesar de morarem nos montes,
dirigiam-se, periodicamente,
às terras baixas, até
a fonte, que, acreditavam,
se originara da transformação
da deusa, que adoravam. Ela
assim fizera para proporcionar
água perene aos índios,
nas terras baixas, que eram
muito secas.
Em um grupo numeroso, os Huichol,
com suas mantas coloridas,
suas calças claras,
seus chapéus cheios
de penduricalhos, encontravam,
a cada vez, maiores dificuldades
para alcançarem a sua
fonte sagrada. As terras estavam
cada vez mais secas, com numerosas
cercas colocadas pelos seus
proprietários, que
eles precisavam atravessar,
uma a uma.
A própria fonte, sagrada
para eles, não era
respeitada pelos povos da
planície, que a poluíam
de diversas maneiras. "Os
mexicanos não respeitam
nada", diziam os índios,
revoltados com o tratamento
que davam à sua fonte,
apesar de haver uma placa,
anunciando ser o local sagrado
para os índios.
Antigamente, faziam todo o
trajeto a pé, agora,
precisavam ir de ônibus,
devido às cercas e
às estradas, onde antes
só havia o terreno
amplo, livre, aberto a todos.
Os ônibus percorriam
aquelas estradas, levantando
nuvens de poeira, e após
certo ponto, os Huichol caminhavam
ainda por um longo trecho,
atravessando as cercas, procurando
pelo peiote, que compunha
importante papel em seu ritual.
Estava também cada
vez mais difícil achar
o peiote, pois os proprietários
de terras os colhiam, para
utilizá-los com fins
comerciais. Assim, precisaram
parar em diversos pontos,
procurar o peiote, e voltar,
desanimados e preocupados,
pois acreditavam que, se não
o encontrassem, estaria destruído
o equilíbrio do mundo,
e tudo desapareceria no caos.
Finalmente, conseguiram encontrá-lo,
precisavam colher bastante
peiote, pois não só
o usariam para seu ritual
junto à fonte, como
o levariam para a sua aldeia,
onde precisaria durar até
a próxima peregrinação.
Cada um levava uma comprida
e funda cesta amarrada às
costas, e colhiam o peiote,
pedindo, primeiro, licença
à planta, e, com muito
cuidado, para não destruir
suas raízes.
O peiote era um cactus rasteiro,
cheio de pelos, que precisavam
ser retirados, antes de comê-lo.
Inicialmente, banhavam-se
com a água da fonte
sagrada, para se purificarem.
Em seguida, partiam o peiote
em diversos pedaços,
que eram mastigados durante
o ritual. A medida que iam
mastigando esses pedaços,
um a um, começavam
a entrar em um estado alterado
de consciência, onde
comungavam com todos os seres,
humanos, animais, vegetais,
minerais, e, com os seus antepassados,
com a sua deusa, com a natureza,
o universo, as almas humanas
ou não humanas.
E, o mais importante, compreendiam
os mistérios que se
escondiam ao senso comum e
só dessa forma eram
acessíveis, e, assim,
ampliavam a sua capacidade
de compreensão. Depois,
completavam um amplo círculo,
com todos levando velas acesas
em suas mãos. E, por
fim, dançavam, tocavam
seus instrumentos de sopro,
e cantavam, pois a música
era parte integrante da sua
cultura.
Adam sentou-se ante a ampla
janela que lhe proporcionava
uma bela visão de Nova
York. Estava em seu escritório,
no centro nevrálgico
do mundo dos negócios,
onde se tomavam decisões
que influíam nas vidas
de milhões de pessoas,
em todo o mundo. Estava sozinho,
já era tarde, deixara
as luzes apagadas, e ele estava
inteiramente entregue aos
seus pensamentos.
Lembrava-se da sua ex-esposa,
dos seus filhos ainda pequenos,
e de como sentia falta deles.
Mas, o seu trabalho era muito
envolvente, lhe tomava quase
todo o tempo, e sentia que
fora, na verdade, o principal
responsável pela sua
separação. Vivia
muito nervoso, tenso, afinal,
lidava com milhões
de dólares, diariamente,
com uma enorme carga de responsabilidade.
Uma decisão errada,
e poderia causar prejuízos
incalculáveis a pessoas
muito importantes, diretores,
presidentes de grandes empresas,
políticos, astros e
atrizes famosos, enfim, gente
muito influente.
Também, ganhava muito
bem, possuía muitas
propriedades, lindas mulheres
que o rodeavam, principalmente
depois que se separara, muitas
ações de portentosas
companhias. Infelizmente,
nos últimos tempos,
algumas dezenas delas haviam
lhe pregado cada susto! Aparentemente
indestrutíveis, mostraram
sua fragilidade, ante espantosas
fraudes contábeis e
financeiras, praticadas pelos
seus principais executivos.
Em vista disso, o mercado
demonstrou toda sua volatilidade,
e muitos sofreram enormes
prejuízos, inclusive
ele...
Com a quebra da confiança,
muitos investidores, que,
até então, acreditavam
piamente no mercado de ações,
retiraram as suas aplicações,
em grande volume. E o gigante
estava balançando...
Da sua janela, conseguia ver
o enorme espaço vazio
que ficara no lugar das torres
gêmeas, após
o ataque terrorista de 11
de setembro. Já lera
um pronunciamento de um eminente
religioso, intitulado "Diga
a Verdade, Presidente",
em que ele enumerava as verdadeiras
razões de os EUA serem
tão odiados em tantos
países, por tantos
povos: a sua política
intervencionista e militarista,
as suas alianças com
ditadores ferozes e fanáticos,
a sua responsabilidade na
morte de milhares de pessoas
em todo o mundo, ou pelo ataque
militar selvagem ou pela atuação
sinistra da CIA e de outros
órgãos de "inteligência",
sabotando, matando, conspirando
muitas vezes contra o poder
constituído, para colocar,
no seu lugar, tiranos inescrupulosos
e sanguinários. E por
aí continuava.
Adam ficou pensando, tivera
uma sólida formação,
desde jovem, dentro dos princípios
do capitalismo e da chamada
democracia. Mas, agora, já
maduro, não possuía
mais aquela certeza inabalável,
própria da sua juventude.
Tanta coisa acontecera, principalmente
depois de 11 de setembro...
O ataque ao Afeganistão,
contra a opinião de
diversas nações
aliadas, e que sacrificara
tanta gente inocente, em um
país já por
si tão pobre e sem
estrutura, com um povo que
já tanto sofrera...
E agora, os preparativos para
o ataque ao Iraque, que encontrara,
de novo, ampla resistência
entre os seus aliados europeus,
entre os povos árabes.
Um alto dignitário
árabe dissera ao presidente
dos EUA que um ataque ao Iraque
equivaleria a abrir uma autêntica
"caixa de Pandora",
ninguém saberia o que
poderia resultar de tal ataque,
pois poderia provocar uma
convulsão ainda maior
no Oriente Médio, e
daí... só Nostradamus
para prever...
Adam pensava agora em uma
das suas últimas decisões.
Acabara de assinar um contrato
que permitia à uma
grande companhia montar uma
filial em uma planície
mexicana, com parte do capital
comprado pelos mexicanos,
evidentemente, como cabia
aos princípios saudáveis
do capitalismo e da globalização.
Pretendiam explorar, industrial
e comercialmente, o peiote,
planta nativa da região,
que, segundo resultados divulgados
por laboratórios de
pesquisas de uma grande corporação
e pelo setor de análise
de investimentos, poderia
resultar em ganhos elevados,
e um retorno a curto prazo
do investimento na planta
industrial, em recursos humanos
e nas pesquisas.
Do peiote poderiam ser extraídos
mil e um produtos, com inúmeras
aplicações,
ou na área muito rentável
da beleza feminina, ou de
óleos, em uma gama
sem fim de utilidades. Soubera,
pelos pesquisadores de campo
que lá haviam estado,
na própria região,
que havia uma fonte, que era
cultuada por um grupo de nativos,
pobres, e sem a menor expressão
política ou econômica.
Seria fácil convencê-los,
com algumas centenas ou, talvez,
milhares de dólares.
E, se, por um acaso, tivessem
a ousadia de entrar na justiça
contra ele e seu poderoso
grupo econômico, possuíam
um verdadeiro batalhão
de advogados, enveredados
nas minúcias da lei.
Não tinham a menor
chance...
Adam ouviu, nesse instante,
um ruído que lhe chamou
a atenção. E
era dentro do seu escritório!
Mas, como? Se estava sozinho...
Súbito, um vulto se
destacou dos fundos da sala.
Não conseguia distinguir
bem. Ele se movia lentamente...
na sua direção.
Adam se sentiu tenso, começou
a abrir lentamente, para não
causar ruído, a gaveta
à sua frente, onde
tinha um revólver.
Ao mesmo tempo, continuava
olhando fixamente para o vulto
que, no escuro da sala tornava-se
difícil de distinguir.
Deu agora para notar duas
orelhas sobre uma enorme cabeça,
e... dois olhos que brilhavam
na escuridão! Mais
próximo agora, um rugido
que repercutiu amplamente
na sala, e abaixo do nariz
negro, dois caninos proeminentes!
Era um lobo, um enorme lobo
de olhos fixos nele, também!
Estava agora muito próximo!
Adam procurou o revólver
com a mão e, no fundo
da gaveta o encontrou. Puxou-o,
rapidamente, enquanto o lobo,
ao mesmo tempo, se atirou
sobre ele! O seu enorme peso
o derrubou da cadeira. Bateu
com a cabeça na parede,
o revólver voou longe
e sentiu as enormes patas
sobre o seu peito! Em uma
fração de segundo,
os seus dentes enormes atacaram
vorazmente a garganta de Adam!
Num último olhar para
o espaço que se descortinava
pela ampla janela, com sobressalto,
percebeu que tudo escurecera!
Nem mesmo as estrelas brilhavam
no firmamento...
[Menu]
[Voltar]
Envie
essa Página

Todos
os meus textos são
protegidos pela Lei de Direitos
Autorais - LEI No. 9610,
de 19 de fevereiro de 1998,
e pelos tratados e convenções
internacionais.
Respeite os direitos dos autores,
para que seus direitos também
sejam respeitados.
Contato
com Autor: Abílio Terra
Junior
Criação
de Gráficos e Páginas:
Webmaster e Designer:Crys
Melhor
Visualizado em:1024x768
|