Nem
uma oitava acima nem uma abaixo,
pensava o maestro, enquanto
regia a sinfônica, e
as bailarinas, molhadas de
suor, executavam ousados malabarismos.
Ele observava atentamente
cada gesto ou expressão
facial, estava na primeira
fila das poltronas do teatro.
Anotava, com rapidez, tentando
traduzir em palavras o que
via e sentia: flores, maravilhosas
flores, fluíam em precisas
nuances, sorriam, brincavam,
se exprimiam com naturalidade,
cortavam e domavam o espaço,
sabiam-se belas e admiradas,
compactuavam com o público,
extasiado.
Sentiu-se em sintonia com
uma das bailarinas, de cabelos
negros e uma leveza invejável.
Ao terminar o espetáculo,
postou-se junto à porta
por onde elas sairiam. Cansou
de esperar, mas valeu a pena,
lá estava ela, se distinguindo
entre tantas belezas fulgurantes.
Aproximou-se, indeciso e tímido,
murmurou um ‘olá’,
ao que ela respondeu, curiosa.
Mostrou-se receptiva, e ele
a convidou para jantar, em
um restaurante próximo.
Ela era inteligente, além
de bela, conversaram animadamente,
sem perceberem a passagem
do tempo. Depois, ele a levou
para casa, e se despediu dela
com um beijo.
Foi para sua casa, entrou,
ainda andando nas nuvens.
Sua imaginação
dava voltas e voltas e ele
não conseguiu dormir.
Vivia sozinho, se separara
há anos e não
tinha filhos. Escrevia contos,
crônicas, romances,
poemas, e esperava o retorno,
demorado.
Finalmente, dormiu, e sonhou:
morava em um palácio,
junto a outros seres, como
ele, sobre as nuvens. Sua
veste era toda branca, cobria
seu corpo em muitas dobras,
e resplandecia. De lá
de cima ele conseguia enxergar
o que se passava no mundo,
cá embaixo. Junto a
uma lagoa, rodeada por um
bosque, viu um grupo de lindas
mulheres, que tomavam seu
banho matinal. Entre elas,
a ‘sua’ bailarina. Como era
linda, que corpo perfeito!
Ela sorria e se divertia com
suas amigas, bem a vontade.
Ele ficou embasbacado, admirando-a.
Nisso, um grupo de homens
barbudos, escondidos em moitas
próximas, as observavam,
cinicamente. Estavam, obviamente,
mal intencionados. Antes que
as atacassem, ele os transformou
em estátuas, imóveis
e inofensivas. Deu uma gargalhada,
satisfeito, que ribombou nas
alturas, e soou como um trovão
na Terra, provocando nas moças
olhares temerosos em direção
ao céu. Mal poderiam
imaginar que se originara
dele, da sua vontade e poder.
No dia seguinte, se levantou,
pegou seu celular e ligou
para ela. Nada, ela não
atendia. Tentou ligar para
o teatro e nada, também.
E o mesmo se repetiu nos dias
seguintes. O que fora feito
dela? Onde se metera?
Finalmente, resolveu ir ao
teatro, assim conseguiria
falar com ela. Lá chegando,
conseguiu entrar, dirigiu-se
à primeira fila, observando
o ensaio. Mas não conseguia
enxergá-la. Lá
ficou, intrigado, sem entender
direito o que estava ocorrendo.
Onde estava a sua bela?
Terminado o ensaio, se dirigiu
ao diretor, dizendo-lhe que
procurava por sua amiga, Flávia,
era o seu nome. Ele lhe respondeu
que não havia nenhuma
bailarina com esse nome. Intrigado
ainda mais, ele se dirigiu
a uma das moças, ‘conhecia
a Flávia?’, não,
ela respondeu, não
tenho nenhuma colega com esse
nome. Abismado, ele sentiu
uma tonteira, ao que a moça
o amparou, perguntando se
estava indisposto. Ele respondeu
que não, não
era nada. Saiu do teatro cambaleante,
sem entender nada. Chegando
a calçada, enxugou
o suor da testa e se sentou
ao meio-fio, mal conseguia
respirar. Abaixou a cabeça
e respirou fundo. Ao levantá-la,
olhou, por acaso, para o outro
lado da rua. Foi quando, surpreso,
distinguiu Flávia,
entre a multidão. Ela
o fitava fixamente. Tentou
se levantar, mas antes que
o fizesse, notou que ela desaparecera,
repentinamente.
Voltou para casa, estava ensopado
de suor. Tomou um banho, bebeu
uma laranjada, sentou-se em
frente ao computador e escreveu
o mais belo poema da sua vida,
para Flávia.
Abilio
Terra Junior
01/02/2008