O
Monstro
A carruagem corria veloz,
os cavalos espumavam pela
boca. E o monstro os seguia,
corpulento e indócil.
Uma bela mulher, com as faces
coradas, e os lábios
trêmulos, um cavaleiro,
barrigudo e apavorado, e um
padre, que fingia rezar, eram
os seus companheiros de viagem.
A estrada era estreita, irregular
e poeirenta. A temperatura,
amena. Os cavalos também
estavam com medo, e relinchavam
alto, o que aumentava ainda
mais o nervosismo dos dois
condutores e dos quatro passageiros.
A fama do monstro já
se espalhara, muitos haviam
morrido, dilacerados pelas
suas imensas mandíbulas
e estropiados pelo seu peso
assustador. As autoridades
estavam perdidas, os nobres
se refugiavam em seus castelos
e os camponeses eram as maiores
vítimas, desprotegidos.
Ele, por sua vez, era um escritor
e um alquimista, e já
vivera bastante para não
se apavorar diante de uma
tal situação,
mas, ainda assim, sentia um
receio que subia das suas
entranhas, sem controle, como
se herdado de situações
idênticas, vividas por
seus ancestrais.
Nesse momento, um pungente
conflito se delineava em seu
interior. Entre o seu auto-conhecimento
e o seu instinto. Entre a
sua consciência superior,
fruto de longos anos de práticas
alquímicas, e o seu
instinto de sobrevivência.
A sua calma era apenas aparente,
o seu coração
parecia querer saltar do seu
peito. Tentava visualizar
símbolos iniciáticos,
mas as imagens não
duravam muito. Lembrava-se
da lenda de Fausto, e estabelecia
um paralelo com sua figura,
ele também estava fraquejando.
Fechava os olhos e via o Graal,
símbolo poderoso, por
alguns instantes, que, minutos
depois, se desvanecia. Se
um dos cavaleiros da Távola
Redonda ali estivesse, enfrentaria
o monstro? Tantos anos de
estudos, pesquisas e práticas
em seu laboratório
alquímico, para quê?
Se em um momento em que deveria
manter o seu auto-domínio,
fraquejava? Chegou a pensar
que o monstro, na verdade,
era uma manifestação
do seu lado tenebroso, que
vivia em constante luta com
o seu lado luminoso, em seu
interior. Como em todos os
seres humanos. Só que
nele, por haver penetrado
em maior profundidade em sua
própria alma, provocara
nesses poderes uma exacerbação
maior do que nas pessoas comuns.
Eram gigantes em luta. Pois
ele pretendia os conhecer
a fundo. E os conhecendo,
tornara-se parte íntima
deles, e eles, parte íntima
dele mesmo.
Por outro lado, teria desprezado
por demais a sua natureza
tenebrosa, ao enaltecer a
sua natureza luminosa? Fazendo
com que ela, em resposta à
sua desconsideração
para com ela, se insubordinasse,
se manifestando naquela forma,
de um monstro poderoso e insano?
Só de pensar nisso,
sentia um calafrio percorrer
a sua espinha. Finalmente,
o monstro se emparelhou com
a carruagem. Aproximou-se
tanto, que se podia ouvir
a sua respiração
sibilina e o seu urro vibrante,
que estremecia a todos, homens
e animais, no âmago
dos seus seres. Ao se aproximar,
o monstro olhou para dentro
da carruagem, com seus olhos
vermelhos e suas ventas que
se moviam com o seu respirar.
E ele reconheceu, com horror,
na face do monstro, a sua
própria face!
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