Os
Soldados Conduziam os Prisioneiros
(inspirado no livro ‘A Menina
que Roubava Livros’, de Markus
Zusak)
Os
soldados conduziam os prisioneiros.
Os prisioneiros olhavam suas
unhas dos pés, curvadas,
duras. Os soldados olhavam
suas bolhas dos pés,
que transbordavam. E todos
deram-se as mãos e
formaram grandes rodas e cantaram
as suas canções
da infância. E a menina
imaginava uma teoria que explicasse
esse fato. E buscava em seus
livros. E eles lhe traziam
mais perguntas. E ela, pensava,
então, em roubar mais
um livro, que talvez lhe respondesse.
Ela estava rodeada de um amor
doce, e de outro, áspero
e duro.
Os prisioneiros se cansaram
de brincar de roda, e imploravam
aos soldados que parassem,
mas estes sorriam apenas,
pois se divertiam a valer.
E tiravam dos seus bolsos
os seus chocolates e os mordiam.
Os prisioneiros engoliam em
seco. Prefeririam se sentar
na calçada, da rua
que atravessava a cidade onde
morava a menina. Ou comer
os chocolates dos soldados.
Ou, melhor ainda, voltar para
as suas famílias. E
tiravam dos bolsos as suas
fotos e sorriam.
Finalmente, todos, soldados
e prisioneiros, se sentaram
na calçada e se olhavam.
E se perguntavam uns aos outros
de onde eram, o que faziam
antes da guerra, como eram
as suas cidades, os seus bairros.
A menina se aproximou, e anotava,
ora com um carvão,
ora com um toco de lápis,
tantas histórias que
jorravam, livremente, das
bocas, algumas sem dentes,
outras bem sonoras, outras
quase inaudíveis, dada
a fraqueza dos seus palradores.
Ela teria muitas histórias
para contar aos seus netos,
quando se tornasse uma velhinha,
numa terra distante. Pois
mal sabia ela que seria a
única sobrevivente
da sua família, que
a acolhera de braços
abertos, que lhe dera abrigo
e proteção,
compartilhando com ela a sua
pobreza, a sua rudeza, a sua
bondade.
E então, todos, soldados
e prisioneiros, se levantaram,
e recomeçaram a sua
caminhada, já com os
seus corações
apaziguados. E agora, já
se conheciam e até
poderiam se tornar amigos.
E quando o general soubesse
disso, quem sabe não
começasse a pensar
na paz? E, convencido, convenceria
também os seus colegas.
E a paz, finalmente, ressurgisse
dentre os escombros fumegantes
dos quarteirões destruídos
pelas grandes bombas, e desse
o seu grito doce, mas convincente,
e as armas descansassem, de
preferência, para sempre.
E a menina pronunciaria um
discurso, contando tudo o
que passara, desde a morte
do seu irmão, e as
pessoas chorariam, ao lado
dos seus rádios, comovidas,
e se dessem as mãos
e se beijassem.
Abilio
Terra Junior
18/02/2009