Se
não tomar uma Providência,
Eu Tomo!
-Se
não tomar uma providência,
eu tomo! Ouvi um sujeito,
bem exaltado, dizer ao gerente
do banco. Era um cara alto,
magro, de boa aparência,
que foi aumentando o volume
da voz à medida que
não notava reação
visível do gerente,
que apenas olhava para ele,
enquanto atendia uma outra
cliente, e balbuciava alguma
coisa. Duas funcionárias
saíram, rápidas,
de trás do balcão
e se aproximaram, ansiosas,
do cliente. Eu observava tudo,
próximo, em uma outra
fila, que não a dele,
aguardando ser atendido pelo
caixa.
As funcionárias perguntaram:
-Senhor, de que se trata?
Ao que o cliente prontamente
respondeu: -Uma moça,
na fila, recebeu dinheiro,
para ser depositado, de outra
pessoa. Isso não pode!
Se for assim, vai todo mundo
embora, e entrega todos os
depósitos, contas,
e tudo o mais, para um só
cliente! Não posso
permitir isso! Gritava o cara,
já perdendo as estribeiras.
-Calma, senhor, calma, vamos
tomar todas as providências.
Responderam as funcionárias,
e, lépidas, dirigiram-se,
com o cliente, até
a sua fila.
Ele apontou: -Essa moça
aqui recebeu dinheiro de outra
pessoa para depositar! As
funcionárias conversaram
com a moça, que saiu,
visivelmente constrangida,
da fila, e se dirigiu ao caixa,
enquanto elas pegavam o dinheiro,
objeto de toda a polêmica,
e sumiam com ele.
O sujeito voltou para a fila,
já mais tranqüilo.
Uma mulher baixinha,com uma
criança no colo, atrás
de mim, repetia: -Que ignorância!
Que ignorância!
Nisso, uma mulher, tipo peso-pesado,
compacta, também na
fila do tal sujeito, e próxima
a ela, lhe dizia: -Não
senhor! Nada disso! O senhor
está errado! Isso não
se faz!
O cara tentou retrucar, mas
desistiu, diante da firmeza
ostensiva da madame.
A essa altura, acho que ele
já estava meio na dúvida,
se havia agido certo ou não,
diante de esta e de outras
reações dos
demais integrantes da sua
fila.
Eu, pessoalmente, concordei
inteiramente com a sua atitude,
talvez um tanto ou quanto
nervoso demais, o que se compreende
diante da sua indignação,
que considerei plausível
e correta.
Eu também me sinto
indignado diante de atitudes
deste tipo.
No Congresso Brasileiro de
Poesia, de que participei,
recentemente, em Bento Gonçalves-RS,
certo dia, na fila do restaurante,
observei, indignado, um sujeito
com uma vestimenta que mais
parecia uma fantasia, ‘furar
a fila’, na maior ‘cara de
pau’ deste mundo. Balancei
a cabeça e comentei
a respeito com duas moças,
atrás de mim, que também
não apreciaram aquela
atitude abusada. Se todo mundo
‘enfrentava’ a tal fila, porque
o suspeito cidadão
não fazia o mesmo?
Considerava-se privilegiado?
Tive vontade de quebrar o
prato, que levava na mão,
na cabeça vazia do
indigno ‘cara de pau’! Mas,
pensei cá comigo, seria
uma atitude tão estúpida
quanto a dele, e, provavelmente,
seria vítima de um
linchamento, por parte, principalmente,
dos cariocas presentes, pois
parecia que o indigesto cara
era um representante das ardentes
praias do Rio de Janeiro.
E, levando-se em conta a mentalidade
que muitas vezes prevalece,
da qual tive mostras lá
no outro incidente relatado,
no banco, em Belo Horizonte-MG,
em que o certo passa a ser
errado, e vice-versa...
Poderia também ter
relatado o tal fato ao ‘comandante’
Ademir Bacca, que, provavelmente,
de forma mui sutil, pisaria
no calo do escrachado indivíduo.
Mas, não havia tempo
para isso, eu poderia perder
o meu lugar na fila, e preferi
engolir em seco a minha indignação,
e prosseguir a minha caminhada
glutônica em direção
aos acepipes gaúchos.
É isso aí, amigos.
O que é certo e o que
é errado, diante da
cultura geral de uma certa
região? Ensina a sociologia
que tudo é muito relativo,
dependendo sempre da visão
local, do ponto de vista dos
naturais da dita região.
Nem sempre os elementos éticos
prevalecem. Lembro-me do meu
vociferante professor desta
matéria, excelente,
por sinal, que contava um
caso muito interessante. Um
ilustre diplomata visitava,
com seus acompanhantes, uma
aldeia perdida nos desertos
arábicos. Algumas mulheres
lavavam roupa. Como estavam
sozinhas, sem homens presentes,
não usavam a habitual
‘burca’, que impede a visão
dos seus rostos aos olhares
masculinos e/ou estranhos.
Ao perceberem aquela presença
inusitada e inesperada, mais
do que depressa, levantaram
as suas saias para esconderem
os seus rostos do incauto
visitante. Acontece que nenhuma
delas usava calcinhas...
Viram como tudo é relativo?
Abilio Terra Junior
02/11/2006